quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Defenestração


Excelente crônica de Luís Fernando Veríssimo, "Defenestração", que trata de maneira interessante a primeira impressão de palavras não vistas antes e a impressão que elas causam.

Delicie-se! 


"Certas palavras tem o significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa vagamente vegetal. As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas variedades. A falácia Amazônica . A misteriosa falácia Negra. 

Hermeneutas deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos. Onde eles chegassem, tudo se complicaria.

-Os hermeneutas estão chegando!

-Ih, agora é que ninguém vai entender mais nada...

Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão. Levaria semanas até que as coisa recuperassem o seu sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria ter um sentido oculto.

-Alô... 

- O que é que você quer dizer com isso?... 

Traquinagem devia ser uma peça mecânica. 

- Vamos ter que trocar a traquinagem. E o vetor está gasto. 

Plúmbeo devia ser o barulho que o corpo faz ao cair na água 

Mas nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração. 

A princípio foi o fascínio da ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca me lembrava de procurar no dicionário e imaginava coisas. Defenestrar devia ser um ato exótico praticado por poucas pessoas. Tinha até um som lúbrico. Galanteadores de calçada deviam sussurrar no ouvido das mulheres: 

-Defenestras? 

A resposta seria um tapa na cara. Mas algumas...Ah, algumas defenestravam. 

Também podia ser algo contra pragas e insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria assim defenestradores profissionais. 

Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerravam os documentos formais? "Nestes termos, pede defenestração..." Era uma palavra cheia de implicações. Devo tê-la usado uma ou outra vez, como em: 

-Aquele é um defenestrado. 

Dando a entender que era uma pessoa, assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada era a palavra exata. 

Um dia finalmente procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa mentir. "Defenestração" vem do francês defenestration. Substantivo feminino, ato de atirar alguém ou algo pela janela. 

Acabou a minha ignorância mas não a minha fascinação. Um ato como este só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito forte. Afinal,não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que, então, defenestração? 

Talvez fosse um hábito francês que caiu em desuso. Como rapé. Um vício como o tabagismo ou as drogas, suprimido a tempo. 

-Les defenestrations. Devem ser proibidas. 

-Sim, monsieur le ministre. 

-São um escândalo nacional. Ainda mais agora, com os novos prédios. 

-Sim, monsieur le ministre. 

-Com prédios de três, quatro andares, ainda era admissível. Até divertido. Mas daí para cima vira crime. Todas as janelas do quarto andar para cima devem ter um cartaz: interdit de defenestrer. Os transgressores serão multados.. Os reincidentes serão presos. 

Na bastilha, o Marquês de Sade deve ter convivido com notórios defenestreurs. E a compulsão, mesmo suprimida, talvez persista no homem, como persiste na sua linguagem. O mundo pode estar cheio de defenestradores latentes." 



(Luís Fernando Veríssimo. O Analista de Bagé. 6ª ed. Porto Alegre.L&PM ed. 1981. p. 29-31)





~Nico

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Dicotomia

À luz, encanta sombria,
amarga voz que bramia,
no ápice de sua alegria,
música sem melodia.

Desde o cair do dia
prepara, sem alegria,
a voz lancinante e fria
que concerta em ritmia.

Canta tudo que via
e que nos sonhos ardia
seu mundo de fantasia.

Ah! e esse som que angustia!
Como o som de uma harpia
são vozes, dicotomia.

~Nico
Ressucitando blog com um poema :)
Sou amigo do Sauerwein!

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Mente Travessa

Mente Travessa


Acordo em plena escuridão.Sozinho.Penso que estou louco.Pouco.Tamanha loucura aumenta quando imagino um buraco branco ofuscante.Observo.De repente sinto uma presença atrás de mim.Me viro.Deus!É Ela!Minha paixão!O amor é um ônibus.Não posso perdê-lo.Passei a mão em seus lindos cabelos, negros como a noite.
Mas...o que está acontecendo?!O escuro vira claro e ela vira fumaça escorrendo entre meus dedos.Não!Volte!Então, fico cego.Quando voltei à realidade, estava em meu quarto, com o sol beijando meus olhos, e finalmente encontrando o real motivo da cegueira.Mas com certa ternura, me indago:Será aquilo realmente um sonho???

Vinícius Silva

Texto de minha autoria futuramente premiado internacionalmente pela ONU.

Creative Commons was Here.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Assalto

Quem escreveu esta cômica publicação foi um dos maiores romancistas brasileiros - Carlos Drummond de Andrade. Espero que desfrutem da mesma maneira que eu desfrutei desse texto muitíssimo bem escrito.

Na feira, a gorda senhora protestou a altos brados contra o preço do chuchu:
— Isto é um assalto!
Houve um rebuliço. Os que estavam perto fugiram. Alguém, correndo, foi chamar o guarda. Um minuto depois, a rua inteira, atravancada, mas provida de um admirável serviço de comunicação espontânea, sabia que se estava perpetrando um assalto ao banco. Mas que banco? Havia banco naquela rua? Evidente que sim, pois do contrário como poderia ser assaltado?
— Um assalto! Um assalto! — a senhora continuava a exclamar, e quem não tinha escutado, escutou, multiplicando a notícia. Aquela voz subindo do mar de barracas e legumes era como a própria sirena policial, documentando, por seu uivo, a ocorrência grave, que fatalmente se estaria consumando ali, na claridade do dia, sem que ninguém pudesse evitá-la.
Moleques de carrinho corriam em todas as direções, atropelando-se uns aos outros. Queriam salvar as mercadorias que transportavam. Não era o instinto de propriedade que os impelia. Sentiam-se responsáveis pelo transporte. E no atropelo da fuga, pacotes rasgavam-se, melancias rolavam, tomates esborrachavam-se no asfalto. Se a fruta cai no chão, já não é de ninguém; é de qualquer um, inclusive do transportador. Em ocasiões de assalto, quem é que vai reclamar uma penca de bananas meio amassadas?
— Olha o assalto! Tem um assalto ali adiante!
O ônibus na rua transversal parou para assun tar. Passageiros ergueram-se, puseram o nariz para fora. Não se via nada. O motorista desceu, desceu o trocador, um passageiro advertiu:
— No que você vai a fim do assalto, eles assaltam sua caixa.
Ele nem escutou. Então os passageiros também acharam de bom alvitre abandonar o veículo, na ânsia de saber, que vem movendo o homem, desde a idade da pedra até a idade do módulo lunar.
Outros ônibus pararam, a rua entupiu.
— Melhor. Todas as ruas estão bloqueadas. Assim eles não podem dar no pé.
— É uma mulher que chefia o bando!
— Já sei. A tal dondoca loira.
— A loura assalta em São Paulo. Aqui é morena.
— Uma gorda. Está de metralhadora. Eu vi.
— Minha Nossa Senhora, o mundo está virado!
— Vai ver que está caçando é marido.
— Não brinca numa hora dessas. Olha aí sangue escorrendo!
— Sangue nada, é tomate.
Na confusão, circularam notícias diversas. O assalto fora a uma joalheria, as vitrinas tinham sido esmigalhadas a bala. E havia jóias pelo chão, braceletes, relógios. O que os bandidos não levaram, na pressa, era agora objeto de saque popular. Morreram no mínimo duas pessoas, e três estavam gravemente feridas.
Barracas derrubadas assinalavam o ímpeto da convulsão coletiva. Era preciso abrir caminho a todo custo. No rumo do assalto, para ver, e no rumo contrário, para escapar. Os grupos divergentes chocavam-se, e às vezes trocavam de direção; quem fugia dava marcha à ré, quem queria espiar era arrastado pela massa oposta. Os edifícios de apartamentos tinham fechado suas portas, logo que o primeiro foi invadido por pessoas que pretendiam, ao mesmo tempo, salvar o pêlo e contemplar lá de cima. Janelas e balcões apinhados de moradores, que gritavam:
— Pega! Pega! Correu pra lá!
— Olha ela ali!
— Eles entraram na Kombi ali adiante!
— É um mascarado! Não, são dois mascarados!
Ouviu-se nitidamente o pipocar de uma metralhadora, a pequena distância. Foi um deitar-no-chão geral, e como não havia espaço uns caíam por cima de outros. Cessou o ruído, Voltou. Que assalto era esse, dilatado no tempo, repetido, confuso?
— Olha o diabo daquele escurinho tocando matraca! E a gente com dor-de-barriga, pensando que era metralhadora!
Caíram em cima do garoto, que sorveteu na multidão. A senhora gorda apareceu, muito vermelha, protestando sempre:
— É um assalto! Chuchu por aquele preço é um verdadeiro assalto!

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 28 de agosto de 2011

Músicas Poéticas II

Aê Povada há quanto tempo!
Estou tão feliz com a volta da Magia!
Vamos deixar de nhem-nhem-nhem e vamos ver essa bonita música de nosso querido Toquinho de açougue!

Aquarela(Toquinho)
Letra:
http://letras.terra.com.br/toquinho/49095/
Vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=UjRwuGsugdE

Quem gostou levanta a mão! o/



Reflexão

Eu acho que essa Música tem a ver com todas as pessoas, pois todas as pessoas têm uma imensa imaginação, mesmo que não perceba, analize:

Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho
Azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota
A voar no céu...

De uma América a outra
Eu consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo...

É, fiquei mais feliz do que escrevi por a Magia voltar.

That's All, Folks!

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Tercetos de um Paradoxo

Tercetos de um Paradoxo

A natureza é contrastante
Produz a mais suave aragem
E o ciclone mais exorbitante

A natureza é extravagante
No arbusto, uma briófita na ramagem
E tão logo ao lado, uma sequoia gigante

A natureza é curiosa
Enquanto chove garoa fina e inspiradora
Castiga incólume uma enchente impiedosa

A natureza é um dilema
Pois tão oposta a si está a própria natureza
Que nos dá vida e cujo cuidado é nosso maior problema.

~Sauerale

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Retorno?



Ah, escrever. Esse hábito embriagou-me tanto por muito tempo. Indevidamente, abandonei a atividade. Falta de disposição? Falta de tempo?. Na verdade, o real motivo que me fez abandonar a postagem virtual periódica dos meus escritos é que o que era um lazer pessoal passou a ser uma obrigação pública.


O vínculo que estabeleci com meu pequeno, porém fiel, público leitor passou a ser tão intenso e exigente que não poderia passar mais de 3 dias sem publicar nada. Resultou-me uma tremenda dor-de-cabeça.

E nesse clima nostálgico, parei para pensar qual era o real objetivo do blog. A meta era entreter-me. Entreter aos outros seria apenas uma consequência da minha diversão. E foi nesse conceito que eu pequei. Porque passei a dar mais valor à opinião alheia quando era para valorizar pura e simplesmente a minha.

Em suma, voltarei focado dessa vez. Que me importa se eu postar uma, duas, dez ou vinte vezes por semana? Desde que esteja desfrutando da atividade, para mim estará de excelente tamanho.

Porquanto, o retorno é parcial. No entanto, se ele se concretizar, poderei cobiçar, enfim, numa volta integral a todo o intenso vapor.

~Sauerale