I - Missa
Era noite, uma noite qualquer, de um domingo qualquer. O clima era agradável no aconchegante lar da família Rousseau. Amélia Rousseau, uma empenhada dona de casa, mãe de um filho menor, de sete anos, e uma filha adulta, de vinte e três, se arrumava com roupas finas e caras que adquiriu na França, seu país natal, quando ainda morava por lá. Ela era aspirante a modelo na França, e até já apareceu em algumas revistas, e umas poucas vezes na televisão, o que lhe rendeu bastante dinheiro. Mas isso foi há muito tempo... Quase uns cinco anos, e hoje Amélia se dizia pertencer àquela grande cidade daquele grande país que passou a amar, o Brasil. Ela então chamou o marido com sua voz suave e musical: “Pierre, estou pronta, e você? Temos que nos apressar!”
Logo apareceu o senhor Pierre Rousseau, médico oftalmologista bem sucedido e respeitado na cidade. Também francês, conheceu Amélia na universidade, onde se apaixonaram e logo depois de o curso terminar, se casaram. Ele chegou à sala onde sua esposa o esperava com um elegante terno risca-de-giz azul marinho, dizendo estar pronto. “Não podemos nos atrasar para esta missa!” dizia Amélia. “Faz tempo que não vemos o Cardeal Vardin. Se não me engano, a última vez que nos encontramos foi há sete anos. Somente me lembro que foi às vésperas de nós nos mudarmos para o Brasil. Fizemos uma grande festa de despedida, você se lembra, Pierre?”
Pierre estava distraído quando sua cônjuge lhe fez essa pergunta. Olha fixamente para a lareira, dando a entender que ele estava prestando bastante atenção na mesma, mas na verdade seu pensamento estava distante, muito distante. Ele divagava sobre sua vida na França, sobre a época em que conheceu Amélia, sobre o livro que estava escrevendo no momento (que, aliás, nunca veio a ser publicado), sobre os livros que estava lendo no momento, enfim, sobre centenas de coisas, muitas das quais nós nunca vamos saber. Voltando à realidade, ou melhor, ao presente, ele demorou alguns segundos para responder a pergunta de Amélia: “Sim, com certeza que me lembro.” ele por fim disse. “Vou guardar alguns papéis que deixei na escrivaninha e volto já.”
Os papéis aos quais Pierre se referia eram rascunhos e alguns capítulos terminados do livro que estava escrevendo ― ele preferia escrever à mão ―, intitulado: “A Vida, como ela É”. Publicar seu livro era sua meta pessoal, e, ao mesmo tempo, profissional. Pierre era um homem sonhador, de muitos desejos ― muitos dos quais nunca vieram a ser realizados ―, mas também era realista, e ao mesmo tempo otimista. Sempre de bem com a vida, adorava sair para andar de bicicleta, o que fazia diariamente, mesmo no caos urbano que era a cidade onde morava com mulher e filhos.
Pierre foi ao escritório guardar os papéis, enquanto o filho caçula do casal, Henri Rousseau, descia as escadas em direção a sala. “Estou pronto, mamãe”, ele falou. A família era habituada a falar português, e o pequeno Henri, que nascera no Brasil, foi alfabetizado em português, e agora, aos sete anos, começava a aprender francês e inglês. “Fleur não vai conosco?” O garoto perguntou referindo-se à irmã. A mãe respondeu que não, Fleur estava estudando. A filha mais velha, com vinte e três anos, estava fazendo curso de engenharia numa universidade local.
Pierre voltou à sala, e todos saíram de casa e foram andando, sem pressa, até a garagem, onde entraram no carro do senhor Pierre e foram para a igreja. “Estou tão animada! Esta será uma grande noite.” Dizia a senhora Rousseau. “Fiquei felicíssima quando soube que o cardeal viria ao Brasil!”
René Vardin, além de atuar como cardeal, lecionava inglês na França. Ele era um velho amigo da família Rousseau, um excelentíssimo cardeal e uma pessoa pura, benévola e cordial. Era o que todos pensavam.
marc perrault

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